Na verdade não é bom dia - é olá. Legal, falar nihau. Tente...é gostoso...eu garanto. Se pronuncia nirrau. Nirrau! Mas tem que ser um nihau com cara de um "bom" - bom dia: energético - NI-RRAU! Não coloque tanto stress na parte RRAU se não vai parecer agressivo. É um rrau médio, mas com poder; não com tensão, mas com firmeza, como se fosse Hau! dos índios norte americanos. Tenho dito muitos nihaus. Quando a gente fala nihau eles respondem nihau e dão uma risadinha. Por conta disso às vezes penso que não estou falando corretamente. Qualquer dia vou falar nihau pruma criança e ver o que acontece. O adulto já está acostumado com os vícios e cacoetes dos adultos. Já se acostumaram com os nirraus errados dos brasileiros. Mas a criança não. Se você falar nihau errado ela pode ficar olhando pra sua cara e não responder nihau. Pior, pode não responder nada e balançar a cabeça dizendo tsi-tsi.
Falo nihau todos os dias pro pé de ipê que plantei no condô. O pé é de ipê branco, tá pequeno mas consigo ver da varanda da sala; tá crescendo; pensei em colocar um pouco de adubo mas a cachorrada faz cocô por lá. Teve um poodle primeiro e na sequência veio um monte de outros; nem sei dizer as raças. Acho que é por causa da marcação do território. Mas o território não é com xixi? De qualquer maneira acho legal todos eles quererem o ipê que plantei como seus territórios; disputarem o ipê para os mijos da manhã e da tarde. Dizem que cocô de cachorro de condomínio é ração. Bom, tomara que o ipê não reclame. Ainda preciso dar um nome pra ele. Raonas - que tal?
Este ano não vi muitas luzinhas nas janelas - nem muitas janelas também. Queria ver um pouco do lado de lá - perto da favela da Cruz - e quem sabe, se esticar o pescoço, consigo encontrar algum velhinho só pelos lados da casa transitória. Da febem não sobrou nada a não ser um monte de área sem verde; só chão e um prédio que lembra o holocausto dos incongruentes judeus urbanos da zona leste. Tem uma casa velha enfrente a antiga IRFM da famiglia Matarazzo que está abandonada. Nasceram tantas folhas verdinhas, não sei do que, pelas frestas da parede. O jardineiro certamente não passou por alí - nem plantou hera. Mas o edifício de uma velha fábrica de algodão ficou bonito, afinal. Tem também um outro prédio do lado das freiras que vejo aquelas mulheres de burka saindo e entrando. Consigo encontrá-las de vez em quando e mando logo um salam aleikum. Elas não respondem. Será que não pode falar salam aleikum pra mulher árabe? Ou só pras solteiras? Fico decepcionado esperando que um dia eu possa usar a resposta antes do greeting. Embaixo da minha língua tem algo pulando de vontade de sair caso elas falem salam aleikum primeiro. Aí eu vou lançar meu aleikum salam. Fácil, né? É só inverter! É, mas isto acho que nunca vai acontecer.
Descendo um pouco das freiras tem uma patota meio baixota que fala pouco. Muito menos que os chineses. Estes são fáceis de se comunicar - os Bolivianos aceitam um buenos dias na boa e logo fecham as janelas. Quando eles não querem conversa respondem em quetchua.
Tem Paraguayo também. Um buenos dias resolve mas se eu disser baechapá, aí abro as portas. Aprendi com os Guarani e quer dizer "como vai". Ele pode responder yporã para dizer tudo bem ou yporã tereí: tudo muito bem. Tereí é um "muito" ou aumentativo. Nunca eles me responderam yporã tereí.
Um dia destes vi, por entre as frestas, um monte de máquinas de costura. Fiquei imaginando eles usando a antiga fábrica de algodão, uma fábrica remodelada, e vendendo pros árabes e chineses dos condomínios. Me pareceu tudo muito perto e tudo muito longe também. Tudo tereí estranho e tudo tereí próximo.
Junto da favela, que o pessoal da administração do condô e do "saúde da família" chama de "comunidade" (é favelão mesmo!), já tem um grupão de street dancers que domina o parque. A capoeira sumiu. Lá eles também tocam seus tambores e soltam os fogos. Pra cima da favela vejo, do quinto andar, três ou quatro igrejas evangélicas. Parece que eu teria que dizer algo como: bom dia, que deus esteja convosco. Mas os horários de culto nunca coincidem com a minha zanzação. Vejo-os apenas de ternos e, inflados, rezam e pregam nas duas esquinas que dividem duas áreas de índice de desenvolvimento humano: a primeira próxima aos países da ásia menor e a segunda aos da África.
Do quinto andar de minha janela vejo o mundo. Vejo alguns mormons de camisas brancas e gravatas pretas. Rezo um good morning body, what´s up? quando trombo com um deles. Certa vez disse "how is it hanging?".
Eles não responderam e balançaram a cabeça dizendo em inglês algo como "putz, Jesus Christ!".
Recentemente encontrei alguns angolanos, nigerianos e moçambicanos.
Caraca, aí pegou. Não sabia distinguir um do outro e fiquei parado. Se eles soubessem que eu não sabia quem vinha de onde por certo não gostariam. Aí saiu um "bom dia", que deu certo, menos pro Nigeriano. Pra este acho que se eu tivesse dado um good morning teria me saído melhor.
Um dia destes, no ônibus, uma garota de pele bem escura me perguntou sobre o livro que segurava nas mãos. Ela falou em francês. Supus que era pelo livro que eu segurava: cahier d´exercices. Eu disse: Tout va bien! Ela não entendeu minha resposta. Eu queria lhe dizer que escrevo num blog e ninguém me entende mesmo. Ela teria que fazer um certo esforço. Nada. Ela disse que o problema não era o blog, nem eu, mas que ela era de Burkina Fasso e queria saber se eu falava francês. E eu que pensava que ela falava, como dizer? Burkinense? Pensei comigo: o que vou dizer? Ah, bon jour! Comment allez vous? Je me présente: Je m'appele ... et vous? J´habite dans le ... e ficamos alí tentando nos entender. Ela tinha uns lábios que deu vontade de morder. Nunca a questão das línguas ficou tão tensa.
Quando ela desceu fiquei seguindo sua pele por uns bons três pontos e antes de sair pela porta do bumba teria dito: au revoir, a bientôt! Eu fiquei contente com o au revoir em vez do adieu e mais ainda pelo a bientôt!
De volta pro burgo repensei se alguém neste veraneio viesse da Mongólia ou da Ucrânia? Um Inuit? Um Derzu Usalá? Uau, pensei - o que eu deveria falar?
Antes de desligar a janela do quarto, atendi o celular da minha quérída de BSB que ia para Boca del Toro no Panamá, via San Jose na Costa Rica ... com o namorado que veio da Grécia. Só me restou mesmo falar efharisto, parakalo e kalimera pra ele no fone ... e um pouco, ou logo após, ligar pra Cris: quem sabe ela não gostaria de ir de novo pra Nova Zelândia e aí a gente poderia encontrar o Jeff Yeaoohhhh - o big foot - -e tipo dar um jump em Perth na Austrália, afinal ...ou ... passar o fim de semana com a Lucisgana no Embu das Artes e de lá dar um esticadinha para Iquique, Arica ou S. Pedro Atacama no Chile.
Ĝis la!
mauriceetsantos,2009
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