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quinta-feira, 9 de julho de 2009

O visível e o enunciado.




O visível e o enunciado
by maurici &t santos



Assim, após 6 dias de vida, fui meio que obrigado a destilar minha langue, para que meus pares pudessem me entender.

De outros pouco sei; de mim quase sei e do mundo e das coisas nada sei. Eu não sei. O Amor não é coisa minha. Sobre o que é meu – e que – após dito – da polis, pertence às outras orelhas, ovelhas, ouvidos, sentidos, almas, calmas, estômagos, calcanhares e frieiras. Minha poesia é concreta até virar um gás, que, como tudo o que é sólido, se esvai no ar.
Quem vive por perto, por certo há de ser longe também pois que as redeas não vivem apenas encurtadas. Para todo movimento há a rédea justa.
No fundo cada um tem a sua linguagem, singular e autopoiética. É a poesia do corpo!

Escrevo por usar minhas mãos. Reparto por usar meu timo. Escuto por fazer de meu vazio algo preenchido e, satisfeito, saio pela janela do terceiro andar.

Escrevo como posso. Com a mão errada. Mas pode ser da direita para a esquerda também, como os hebreus, cananeus, samaritanos, caldeus, sírios, egípcios, púnicos, cartagineses, sarracenos, turcos, mouros, persas e tártaros. Estes seguem o curso do movimento diário do primeiro céu, que é muito perfeito, conforme Aristóteles, aproximando-se da unidade.
Estes eu já visitei.

Mas nada tenho com quem escreva da esquerda para a direita como os gregos, georgianos, maronitas, jacobinos, coftitas, tzvernianos, posnanianos e certamente os latinos e todos os europeus, seguindo o curso e movimento do segundo céu; conjunto dos sete planetas.
Estes, também, já estive com eles.

Os indianos, catânios, chineses, japoneses escrevem de cima para baixo conforme a ordem da natureza que deu aos homens a cabeça no alto e os pés embaixo. E os mexicanos que escrevem, quer de baixo para cima, quer em linhas espiraladas como as que o sol faz em seu curso anual sobre o Zodíaco.
São meus conhecidos.

A minha família não é minha mãe, meu pai ou meus irmãos. Eles também o são, mas não o são sozinhos; vizinhos. A minha família é o cervo, a aranha, o ovo, o gelo, o rio, as árvores, as pedras, o grilo, a correnteza, o vento, a abóbora, o galo, o cume da montanha, o seixo, a super nova, a velha, os asteróides, mongolóides, os gnomos, fadas, a pérola, os porcos imundos; e neste mundo, quiça em outros, teço meu tapete que não é meu. Meu tapete, meu arco: como um aríete sou lançado nos braços das bacterias, das almofadas, dos lírios, das salamandras, alcaparras, alcatrazes; dos albatrozes, lêmures, lêndeas; dos canapés, do bolo, do rolo; da miséria me escondo pois meu tapete não voa baixo.
Sou cosmopolita e viajo com muitos outros - seres de um só sexo. O que faz a vida não ser enfadonha é o fato de poder ter, a cada momento, conforme a vontade, a experiência de sentir ser cada um daqueles que me compõe.
Sou de você, sou de ninguém. E me sinto bem, também; aliás, além.
Zen.
100

quinta-feira, 25 de junho de 2009

I Love to say elevators










I love to say e-levators
por Maurici &t Santos

3C273, aqui base Alfa, informe distribuição de cores.
3C273: - Imagens rádio em falsas cores. Ajustando possibilidade de uso óptico. Braço espiral distorcido devido influência gravitacional de galáxia menor em aproximação. Sensores indicam radiação infravermelha de baixa intensidade de gás e poeira interestelares.

Aproximação em curso por NGC 5754 para calcular magnitude e iniciar curso com diagrama Hertzsprung-russel. Corpo tipo espectral AO, magnitude +1,4 . Supõe-se ser Sirius A, estrela quente, aproximadamente 10.000 ºC
Possível observar raias de cálcio na tela principal.

Rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr
- NG reporte base Alfa
Rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr
- 3C copy?
- 3C na escuta, prossiga base Alfa
Rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr
I love to say elevators

- 3C, temos uma interferência de Hackers na onda de frequência de 3,5 Gigahertz.
Rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr
- 3C informe posição e situação.

I love to say elevators

- 3C informa: diário de bordo da nave estelar NVGAR – Data estelar 7111. Compartimentos isolados da ala quântica em descompressão. Sistemas de hádrons ativados e em equilíbrio. Estruturas carbono-silício estáveis. Cinturão de asteróides Delta em progresso. Programação autônoma, NHC não-humanóide-tripulada. Missão: cybermutantes NGC 5754 e 3C273 devem abordar grupo de nebulosas das plêiades orbitais 126 mil anos-luz do complexo andrômeda e alfa-centauro, orbitando eclípitica de Io e pouso no satélite em 42 segundos. Ten four.
Rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr
- NG na escuta?
- NG na escuta, prossiga Base Alfa...
- NG informe situação:
- Descrição de atividades em curso: Sinapses de nêutrons avaliadas. Recarregando campo eletromagnético e redirecionando para 120,3 Gauss.
Rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr
- NG, Base Alfa detecta interferência de rádio pirata em ondas formato freqüência modulada FM: Rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr...E aquilo que nesse momento se revelará aos povosSurpreenderá a todos, não por ser exóticoMas pelo fato de poder ter sempre estado oculto
Quando terá sido o óbvio...

- Alfa, o que significa ...povos.
- NG, povos está definido no SIG – Sistema de Informação Gerenciada, índice AAA2345.
- Módulo não acessado.
- Procure então o tópico SAD – Sistema de Apoio ‘a decisão.
- Positivo. Módulo acessado por NG. Povos: Scorm – Shereable content object reference model – modelo de referência a objetos compartilháveis de conteúdo.
- Nanotecnologia a serviço dos fluxos, NG.
- Ciente. Câmbio.
Rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr
- Alfa, do que se trata esta interferência, câmbio?
- NG, há uma pipa enroscada no cabo de fibra ótica de nossa antena de transmissão.
Rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr
- Vai Zé, puxa a rabiola...Rrrrrrrrrrrrrrrr...puxa...agora
Rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr I love to say elevators
- NG, parece também ser interferência na faixa de 100 Megahertz, provavelmente telefonia celular:
Rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr: - não, pode deixar que eu levo, ... o quê? ... não tô ouvindo.
- Peraí, deixa eu sair do elevador....melhorou agora?
- Melhorou – o que você pediu para levar?
Rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr
- Cara, você precisa trocar esse seu celular. É uma bos....Rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr
- Eu troquei o chip a semana passa....Rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr

- Base Alfa, solicita continuação da descrição:
- Positivo. NG informa: trens de pouso acionados e leitura cromática das inflexões do campo gravitacional em 8G.

- 3C, localize distância de aproximação, over.
- Positivo Alfa. Arqueamento do campo de fótons em curso. Etapa de colisão em desaceleração.

- Base Alfa?
- Prossiga NG
- O que significa bos...Rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr
- Curse SGA – sistema de gestão de aprendizagem – item FFF167.
- Positivo: Bos e mer informados por ESP – e-learning solution provider referem as 1ªs sílabas de vocábulos usados em procedimentos escatológicos excretados de seres carbono-oxigênio como resultado da digestão alimentar. Usados como sinônimos também para ser referir à qualidade de vida. – Exemplo: A vida está uma mer...a vida está uma bos...Cybermutantes não produzem e tampouco referem suas vidas nesta categoria de lógica.
- que bosta!
- Repita, Base alfa...
- Interferência NG, interferência. Desconsidere. Prossiga ajuste de 3C para pouso. Over?
- Over Alfa – Ângulo de aportagem 45º 32 minutos. Início de contagem regressiva:
10 RRRRRRRRRR 9 RRRRRRRRRRRR 8 RRRRRRRRRR 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1,
RRRRRRRRRRRRRRR – Dziiiiiiiiiiiiiiiiiiiii, broummmmmmmmmmmmmm.

NG, 3C, reportem imediata situação, over.
NG, 3C, do you copy?

RRRRRRRRRRRRRR
Positivo Alfa – Fase de pouso concluída. Verificando danos. Vitrais plasmáticos de decodificação mostram espectros variados de baixa intensidade, evaporação com difração de raios X – Espectometria óptica revela sinais de impedância compatíveis com presença de amônia, carburetos e sulfeto de enxofre.
- NG, você ou 3C soltaram um “pum”, over?
- Negativo, Alfa.
- Ok, então deve ser da atmosfera mesmo.
- Certamente, Alfa, Over. NG e 3C informam abertura do portal exploratório da NVGAR e início de contato exterior. Eixo de corte longitudinal mostra atividade de chuva ácida.
Rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr
- NG, 3C, copy? Temos interferência de rádio amador, na faixa de 105 Kilohertz
- Tigre Uno, ta indo pronde?
- Valeu Tigre 2, to levando frete para Santa Cruz do Sul.
- Tu tens vale-transporte prá volta tchê?
- Nada irmão. . o bagulho tá uma bagaça Rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr
- Alfa na escuta?
- Prossiga 3C...
- O que significa bagulho?
- 3C, priorize lançamento de dispositivo de emissão de sinais para o Hubble. Esqueça o bagulho neste momento. Mande essa bagaça, digo imagens, para o telescópio.
- Alfa, o bagulho pode afetar nosso sistema de condicionamento?
- Negativo, 3C.
- E a bagaça?
- Negativo também 3C. Prossiga na missão sem mais questionamentos. Delete bagulho ou bagaça.
- Entendido. Mensagem enviada.
IO, SATÉLITE DE JÚPITER, POSSUI COMPLACÊNCIA META CIRCULAR E OVÓIDE. DIAGRAMAS TERMODINÂNICOS APONTAM COALIZÃO DE NEUTRINOS DE SPIN NEGATIVO EM DIREÇÃO ‘A LINHA AMARELA SEM ATENUAÇÃO DE SINAL ANISOTRÓPICO DE FLAPELA.
Rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr – Alfa informa interferência de rádio de favela:
- E aí mano, tu captastes esse som maneiro?
- O quê? Peguei um som muito irado aqui. Parece dum tal de Anísio que tá vindo pra favela brother! E vem com uns ovos – pode ser granada da pesada véio...Rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr
- NG, 3C – recebemos mensagem truncada Rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr
Temos interferências de rádio Am – jogo de futebol rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr
...segue Daniel Alves pela esquerda, cruza a intermediária – vai levando – o time do São Paulo se fecha na cabeça da área. O tempo passa – 35 minutos do segundo tempo. Zero a Zero. O timão precisa de um gol. – Daniel toca pra Juninho. Juninho recebe, segura – toca – toca errado. Nilmar controla – vem Neves por trás e...falta, que falta feia - e é falta pra cartão, não é Neto?
- Falta pra cartão, o Neves aliás vai acabar sendo expul...Rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr I love to say elevators.
- Alfa na escuta?
- Prossiga NVGAR, over
- Terreno consolidado, amostras colhidas de gás sublimado formado predominantemente por sulfetos. Temperatura de superfície: - 128 ºC.
Acionado streaming para fechamento das quilhas. Pedido de permissão para lançamento e retirada.
- Positivo NG e 3C. Well done. Over.
Rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr
- Positivo Alfa.. aguarde...localizado algo sobre a superfície caminhando em direção ‘a nave...
- Confirme NG...
- Objeto não codificado. Parece ser um...um...
- Prossiga NG, over! NG, 3C prossiga, câmbio! NVGAR na escuta, responda!!!
Rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr
Rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr
“I love to say elevators”
Rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr
F I M

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Carta ao Tio Cícero






Estimado Tio Ciço.


Esperanceio que meu estimado Tio, mais Cleonice, Deoci e Nivonildo estejam muitíssimo bem. Aproveitei Claudecir, o escambeiro de sal e apetrechos, prá levar esta carta. Ele sempre tem trazido também notícias alumiadas dos seus e dos conhecidos nossos.É pois então que proseio esta justíssima benção corridamente em nome de todos do lado de cá.


Esta carta é para lhe dar conta da passagem que estou pronto a fazer. Tenho no Tio , como é bem sabido longamente, admiração e devoção.


Pois que agora tive ideiando, conforme combinado bastante antes, em ir-me indo, vestindo-me de Rio.

Quero então falar-lhe daquela canoa que só em ti posso confiar tal construção. Lhe digo de uma canoa que seja de um talho só de nobre Nogueira seca, calado médio e que seja eu seu único passageiro; proa agulhadinha prá bem deslizar e popa quebrada em quadrado prá modo de sustentar a cadeira de tabuinha.


Tio, se é de seu gostar, lhe peço construir esta proeza de que toda as águas e redondeza possa se admirar. Só lhe peço o reservado . Sabe como penso e como pensa o povo destelhado: caçoa antes do dia de ouro. Quanto a eles fique o Tio tranquilinho que o Rio também castiga de quem zomba. É do nadador zombadeiro que ele gosta e nas curvas e torvelinhos leva o incauto pro sumidouro.


Eu não peleio com o confundimento que o povo faz, muito menos com a ciência que o homem for capaz. Apenas faço o que da lenda é arrazoado. Não me ponho de arrogado. Não tenho advogado nem capataz.


Eu sou homem de Rio e de superfície também.

O dia em que vou indo ainda ninguém sabe com certeza, o dia mais tarde vai ser o dia em que o Rio me leva prá profundeza.

Talmente como no dia do meu pai, seu irmão, já corria de longe a estória do Rio e por ele nossa afeição. Não é tardar então me preparar teimosamente prá continuar tal tradição.


Só não conte, Tio Ciço, com meus olhos que já quase viraram redemoinho; minha boca a toca do bagre; minha pele a escama do peixe grande; meu pulmão as foles dos peixes; minha batida de coração as marolas vagarosas que vão e voltam da margem. Minhas lágrimas já não são mais que as do Rio e minha passagem tal qual a água que por ele desce.Meu corpo já não nada senão as curvas do Rio, meu xixi seu aguaceiro, minha pele suas margens, os capins meus pelos, meus bichos as rãs e sapos e a lua cheia não faz nada em mim que não faça nele. As pinguelas e pontezinhas que cruzam são as pessoas que já passam por mim também: algumas nem se apercebem, outras se demoram um pouco mais. Sumo, de vez em quando, como evapora da minha superfície o suor e evapora do Rio sua água quando o sol arde logo de manhanzinha. Minha aperreação é a pororoca e minha apreciação é a calma da correnteza que corre no tempo que deve.


Eu então, estimado Tio, me vou com ele. É a garantia dele estar sempre vivo conformante a lenda. Quando eu for, todos vão me conhecer, mas só o Rio me sabe. Entrementes, me sabe mais do que me sei.


Por isto, Tio Ciço, não bote reparo na minha ausência, nem idéie que ela será falimento para a família. Eu nunca terei ido, de verdade, na canoa; nem meu Tio, terá feito, de verdade, esta canoa.

E, se um dia a mãe assuntar, na cantiga de ninar, pode observar que eu estarei mais perto do que ela pode imaginar.O dia será aquele que eu quase sei e o retorno, não sei. Mas sei que este Rio me é reservado. Eu e ele conforme acordado: somos de cada um o trocadilho acertado – nossas mãos são uma só e nosso destino perpetuado.

domingo, 31 de maio de 2009

Agua Seca


ÁGUA SECA


Olhe seu moço, que eu juro que lhe digo, e digo porque digo, que é assim, pra modo de vós me entender: que eu me faço de fortidão.
Falo porque falo e tenho dois olhos de coração: me olhe e veja, que aqui por estas paragens, inté o roçado do Capelão, que nunca que vi tamanha estiagem; nunca passei tamanha precisão.
Inté estas mãos, calejadas de sofridão, cortaram a terra queimada, muito pra baixo do torrão, na busca de água escondida, que minha pele fez cicatriz de tanta poça morta batida.
Mas não me aporrinho, não, qual o quê? Mesmo que inté esta mão nem pão tenha pra cortar, continuo meu vagar, campeando a caatinga, na fome de água encontrar.
Mais de muitas madrugadas e cem braçadas fiz para procurar, o senhor vá pondo seu perceber, que nesta terra o castigo é o arder. O brazeiro é tanto que inté cobra e “escurrupião” faz desaparecer. E nós vivemos assim, de todo seco e de uma gota à mercê.
Entre um tomar de repouso e aguardo, logo saio eu talmente como faço, pra trazer água pra minha mulher e três calanguinhos.
“Arreparre” num doutor que uma vez palavreou que nosso planeta é feito tudinho de água. Prosa tonta. Não ligo, faço de conta. É de se lascar estes homens que botei sismo, que levaram este tal liquido bem longe deste lugar. Vi falar também dum colírio que se bota nos “óio” pra modo de bem enxergar. Mas este, nem o doutor há de ser golpista, tal o que, pois que nós bebiamos tudo antes de curar a vista.
Mire veja, nunca vi, que triste sonhar, e que aqui não há os tempos de água. Quando chuva há, tosca ela é, seca, que mais “ajudia” o sentimento e faz nosso pensamento se inclinar pra heresia.
Pego logo duas cabaças de olho largo: sou nascido diferente. Fui ter com o pé de goiaba, que de longe eles vem cortar; daí se “arretira” um galho feito “furquia”, se lambe e se anda com o graveto. Conforme o retiro vai se “agrandando”, meu coração vai apertando, na esperançca de ver o tal galho entortar, mostrando o esconderijo que a água quer morar. Mas nada é hora ainda.
Volto iludido, com a boca seca, rachada; nem uma gota prá cuspir o pó da terra batida do cascalho da caatinga. O gado, pergunta, já se foi.
Olhe seu moço que eu lhe conto que pior morrer de fome, que a sede que queima lá dentro do peito.
Duas madrugadas depois recolhi meus apetrechos: alforje e chapéu de gibeira.
Escolhi a retornança diferentemente: tomei o rumo da trincheira e saí com os dois balaios. Desci a ribanceira. Segui a marcha estradeira.
Os galhos do espinheiro não tiveram brincadeira. Sem dó me rasgava, triscando o pouco de pele “desaprotegida” que "inda" restava. Ficou qual peneira.
Eu e o dia, meio sem vida, no entardecer, desolado, escapei pro lado e orei o que a benzedeira já tinha me orado. Num tinha mais precisão de olhar. Água ali não havia de brotar. Tive mesmo de voltar.
Olhei pras crianças e me angustiei de quase chorar.
Mas homem aqui não chora, pois seu moço, que nesta sequidão de tudo lhe pode faltar. Para o bem, se uma gotinha de lágrima ainda se fizesse mostrar, se de meu fole ainda tivesse saído, teria eu, com tudo eles, ela dividido.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Cronossomos

Cronossomos
dupla hélice do tempo e espaço que nos compõe_ por Maurici et Santos



O que é sentir algo que se perde? Será o mesmo que não ter tido?
O corpo que não se sente, sente que mente?
Meu corpo se constrói – assim dito, eu me construo; somos o mesmo - de mim, do tempo e da geografia.
O tempo, observador antipático, e cronos constroem meu corpo mulher, escondido de meus pares: Um desamor, outro desrazão. Depois encantam e me anestesiam com jambu.
Encontramos-nus entre a estátua e a bailarina.
Ontem, na mesma hora que agora, descobri as camadas de tinta dos velhos pintores – aqueles ancestrais.
Esta é a arqueologia de como sou ou talvez cromossomos.
Nas camadas do homem e da mulher - que não sei quais são, me inventaram - fazem-se as camadas de tintas expostas ao tempo, às chuvas, aos sóis, às maresias, às ondas, ao oxigênio, aos álcalis, aos ambíguos, amigos, anfíbios.
São lascas de afresco em tom pastel que despregam da argamassa da estátua e vão fazendo descobrir o inevitável: como máscaras finas, encolho ao deixá-las ir caindo - nada ou ninguém cai de qualquer maneira. Sempre haverá uma maneira precisa de cair – e desvelando, a todo momento, alguém que não me é novo – você gostaria que fosse?
Uma cebola descascando-se, parece a mesma, mas é mesmo a mesma fractal muda, muta.
A estátua e a bailarina, frente ao espelho de si mesmas, vêem que não é apenas difícil o difícil movimento da imobilidade, mas também a imobilidade da inquietude e solidez do eterno momento do agora.
Tiradas as roupas, só a estátua não se envergonha.
Essa é nossa semelhança, arbítrio e atropelo. Não vimos a máscara neutra, nem eu, nem os outros; nem meu meio nem meus meios; meu seio, meio fio.
Vimos apenas nós –muitos- sem braços ou sem cabeças; às vezes sem eu(s), às vezes sem
ela(s), às vezes cem deles.