domingo, 7 de fevereiro de 2010

CALcanhAR DE UMbigo

pourmauriceET7&santos,2010


                                                       Só depois de ter ido tão longe, percebi que meu alhures estava pra acabar...eu que sempre fui bem vezeiro a caminhar.
Meu umbigo, vejam lá, um feto dormido e o calcanhar inchado, estava de fato retornando quanto mais pra leste caminhava. Pisava, parece, em alforeca e os pensamentos em algaravias.
Pela álgebra, estava mesmo eu um palrador de passos.
Mas estive mudando, mundando. Eu e meu umbigo
Numa das escadas do Belle Cheville à tor et à travers, acabei por torcer o que faltava: meu calcanhar direito, a torto e a direito.
Seria uma alheta?
Que nada, achei mesmo que estava numa alhada.
Mas que interessante:  quando a gente vira o pé, duas, ou melhor, três coisas podem acontecer:
A primeira delas é que a gente se ferra mesmo e nem alipina vai resolver.
A próxima é que você com certeza vai pisar diferente e a última é que você pisa na Terra de outra maneira.
Quero dizer, das duas uma: ou você pisa diferente na Terra ou você pisa na Terra diferente.
Bem, aí queria coser, a ponto largo, a estória da andança.
A alheta era então: não deveria passar de alhures, até porque lá já era, de fato, meu destino, ou, por onde ia agora, mais do que lá longe e portanto não o era mais; isto é, não era mais alhures; era além-alhures.
E além-alhures não era meu destino.
Alhures era minha viagem!
Com a virada do pé tive que parar. Não dava mais pra continuar, nem dar meia volta-volver. Vivi momentos de boi almarado, amarrado. Todos parecem que me olhavam; era um boi diferente no olhar. Boi teimoso.


                                                       Torcer tornozelo modifica o caminhar. O tornozelo, ao andar, indica o caminho e o caminho indica o tornozelo: quando estamos andando e queremos alterar a rota, ele é a primeira articulação que se move, direcionando o corpo. Logo após vem os joelhos, quadril, coluna, ombros e por fim o crânio.
Quem muda a rota só com o crânio tem seus revezes: é preciso, também, pensar com o calcanhar. Não foi bem o que aconteceu.
Quando os calcanhares não se entendem, não se conversam, o mais provável é uma bacafuzada. Não quero dizer que o tornozelo seja uma caaba. Nem tanto.
Mas também não podemos desapoderá-lo.
Nossos tornozelos são feitos de pedras, mais antigas que as gnaisses...aquelas salpicadas com partículas de feldspato e mais antigas na Terra.



                                                        Aprendemos muito com elas e com eles, nossos ossos. Nosso ancestral primitivo, a esponja marinha, era confundida com mineral...pedra. Com o tempo fomos vendo que era um animal, com boca, estômago. Porém ela não andava. Não tinha calcanhares. Portanto não torcia os pés. Mas quando quebrada, se recompunha rapidamente em um monte de outras esponjinhas, minerais e colágeno vivos como os que compõe nossos calcanhares e tendões. Hoje achamos estes animais primitivos e pouco inteligentes, se é que alguns os consideram sequer animais. 




                                                         Parado, um-pouco-além-alhures, tive que observar, contemplar, admirar, meditar, compor-me, avistar, marcar detalhes, sobreviver na quietude; ficar quieto; vacilar; calar minha boca, olhar,  ver, escutar, ouvir; engolir seco; aquietar meus pés, aquietar meu Timo, meus primos, avós; meu Timão, minhas ranhuras nos dentes, minha pele seca; meus reflexos, minha apreensão, minha pressão, impressão, descompressão; minha formação, deformação, ansiedade; meu Baço, Braço, meu Pâncreas, língua e ... meu saco, entortado, não iria a lugar algum.
Sabe se iria contemplar do mesmo jeito?
Não! Por muito certo, não.
Mas por perto a vassidão de meu pequeno olhar, arregimentou e abrangeu tudo o que eu podia.
Ví mais estrelas, sem trocadilhos, que o céu poderia. Comparei-as todas com todos aqueles grãos de toda aquela areia, quase todos infinitos, quase todos quase ínfimos, na amplitude do meu horizonte e vi...e olhei também... que não havia imobilidade. Mesmo estando parado, a Terra movia os grãos; os pequenos e os grandes...algo doce, terno... poderia mesmo este universo oferecer...Lá estavam meus dactilos...escravos e forros com os ventos, esperançando em suas finitudes. Fracotes.
Calei-me até a Hipófise; calçei-me até a Pineal; cavei-me até o Diafragma; censurei-me até o broto da  Língua: o Coração.
O que um dia faz. Dias não são números. Hipóteses.
Deixei parar tudo para depois escrever; parar aqui; parar meu tornozelo.
Nunca escrevi direito antes pois jamais pisei torto na Terra do mesmo jeito. Ando torcendo. Ando normando.
As vezes um pouco mais, as vezes um pouco medo.
As vezes um pouco quente, as vezes morno.
As vezes vivo, as vezes de morto.  

 







mauriceETSAntos,2010,péemdeusefénatábua.

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