sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Mistérios e Cemitérios








Gosto de fazer farra na porta de cemitério. Que conversa é esta? Cemitério é algo que devemos respeitar. Mas quando eu saí da tumba onde estava achei que não era bem aquilo que se falava, pois que ninguém fica mais por ali depois de morto. A gente ressuscita, reencarna ou some; seja lá como for, peço desculpas pela irreverência. Vamos dizer então que gosto de ficar alegre perto de cemitérios. `Tava passeando pelo google earth e vi quantos deles tem por São Paulo. Gostei da idéia de transformá-los todos em parques onde as pessoas pudessem viver um pouco. Nada de tristeza. A gente morre por bocadinhos. Sei lá, sei lá, a vida tem sempre razão...como é por exemplo, não dá pra entender, a gente mal nasce e começa a morrer*.
Tabu? ... então aceno para explorarmos ... hummm... examinarmos esta questão filosófica, ética ...
Para os espiritualistas e espíritas talvez esta conversa não assuste tanto, afinal nada de carne ou osso fica mesmo com o espírito. Seria uma descortesia alinhar uns com os outros. O espírito vai além e no além passeia, sofre, retorna ou vai saber o que faz. Pois é, espíritos podem ser alegres, felizes. Diz-se da anima; isto mesmo, aquela palavra que vem da alma. E alma parece com espírito. A palavra classifica nossa realidade. Mas antes da palavra vem o pensamento e antes dele a vontade e antes dela o impulso e antes dele a vibração e o tanger das cordas.
Não fui mais longe pra não me assustar. 
Cemitérios não são só programa de coveiro, ladrões de cadáver ou dos góticos.
Cemitério varia com sem mistério ou cem mistérios. Não há nada mais antigo que a idéia.
Só ficamos então satisfeitos quando temos certeza que nossos ancestrais, antepassados, parentes que se foram ou até nossos animaizinhos de estimação ainda vibram.
Mas eu tenho a impressão que eles não vibram no cemitério. Por que? Imagine um cemitério com 17 mil covas. Imaginou? Pronto, agora imagine as vibrações emanando dos caixões. Uau, seria o máximo, não?  Aquela luzaiada pra todo lado, piscando como luzezinhas de natal ou vaga-lumes nos noites de lua nova.
Agora, vem cá, o cemitério não precisa ser luxuoso, cheio de lápides suntuosas como faziam os faraós do Egito antigo. Basta lembrar, ou melhor, relembrar.
Eu não preciso de tudo isso. Vila Alpina pode ser um bom destino. Lá vou virar adubo orgânico de excelente qualidade, eheee, e, por sorte,  fertilizar qualquer outra boa idéia, além daquela que foi me fazer vivo. Esta sim vale muito. Viro até milagre, se preciso for e sem precisar de igreja alguma. 
É a vez, sabe...aquela que se aproxima e te expulsa para este mundo ... ou pra outros ... uuuuuuuuuuuuuuuuu
Quase todo mundo faz sinal da cruz, quando passa enfrente àqueles murões brancos...talvez esteja homenageando e reverenciando com respeito nossos velhos ou novos mortos. 
Alguns parecem verdadeiros burgos; tem muros altos e ponte levadiça ... "o velho  Egas Ramires, fechado na sua Torre, com a levadiça erguida...nega acolhida a El-Rei D. Fernando e Leonor Teles..."  todos falecidos assim como Eça  e em algum cemitério por aí; em Portugal na ilustre casa de Ramires
Na atualidade, com a tecnologia, já substituímos os arames farpados e cacos de vidro por câmeras de segurança e linhas de laser de detecção. Virou uma cadeia pros coitados dos mortos e das mortas. Mas se a alma é livre e imperatriz, como dizia Machado, estas quinquilharias não deveriam impedi-los de  dar um rolê. 
No do Morumbi, onde moram para quase sempre os valores da grande burguesia, não  ví  muros brancos feitos de tijolo. As tumbas não aparecem. Somente lápides muito bem ordenadas para cuidar de não errar  dentro das imensas avenidas da morte.
Eu fico muito feliz em saber que quando passo perto de um cemitério vejo uma paisagem. Uma que poderia ser diferente, afinal, ricos e podres, sábios e pobres de espírito compartilham o mesmo seio e veio do pó.
Para alguns, este pó vale mais do que um pó qualquer. É, não é um pó mundano ou desqualificado. 
É o pó! Este é o pó!
Pós e Tabus a parte, de qualquer maneira, já vivemos todos encaixotados mesmo: no trânsito, naquele elevador esquisito, na fila maldita do banco, nas excursões rodoviárias, nos aeroportos em véspera de feriado, no supermercado da praia em fim de semana prolongado de finados.
Será que algum morto se importaria se transformássemos os cemitérios em praças com saraus? ...em um belo centro cultural com contadores de estórias...em uma horta de produtos orgânicos ou apenas em um jardim tipo o parque Knor em Gramado? ... onde pudéssemos olhar o silêncio sepulcral; tocar o silêncio com as mãos calmas; fazer um minuto de silêncio - calar nossos frenéticos pensamentos - ; fugir da arte de tumultuar e entrar na tumular; apreender um pouco dos códices, signos, símbolos, ícones e valores que andam e vagueiam - de maneira torta pelos nossos olhos vesgos. Este turismo cementerial não está nas operadoras de viagem. A viagem, aquela que acontece todo dia, está esquecida por muitos ... a póstuma, nossa próxima grande excursão, talvez possa ser contemplada num passeio silencioso, nobre e indizível; o visível, invisível e não enunciável ...nada de nada e nada de tudo - esquecendo meus tantos e vivos sentidos dar ou ser apenas um olhar...a arte do silêncio. Já nas livrarias.

Eu particularmente acho que eles não se importariam. Como quase todo bom brasileiro tenho certeza que se a idéia pegasse logo iriam querer fazer um estádio de futebol!
Os Maias jogavam bola. Foram eles que inventaram o futebol , ou os chineses, e não os Ingleses, que segundo a Clarissa, já transformaram alguns "...antigos cemitérios já lotados em praças. Em seus bancos, ao ler livros, visitantes (sejam crianças ou adultos) conjugam um momento de bem-estar e paz em perfeita harmonia com os donos do pedaço!..."  
A diferença do jogo entre eles é que, na cultura Maia, a trave era uma argola e não uma trave, eles não chutavam a bola com os pés e sim com os quadris e , o melhor, nem sempre havia vencedor. Mas os Maias não enterravam seus mortos no campo, nem faziam cemitérios fechados e circundados por muros. Queimavam a carne e os ossos; tendões e cabelos. Sobravam os dentes. Com isso davam muita risada...não de menosprezo, mas de felicidade e fidelidade ao verem o espírito se tornar chama e voar para o além ... banguelo.
De lá pra cá não tivemos mais Maia nem nada em comum a não ser a idéia que em 2012 o tempo muda e, talvez, segundo as profecias mais científicas e seculares, não haja tempo para idolatrar  nossos condomínios de  antepassados. Estes podem estar por aí, circulando no 596; passeando pela rua direita. 
Mas parece que, de forma geral, o brasileiro nunca se preocupou muito com seus antepassados. Não vejo este interesse com nossa matriz indígena, por exemplo.
Também não vejo muito mistério em se preocupar mais com nossas vidas de que com nossas mortes, embora ambas estejam indelevelmente conectadas, para não dizer que são a mesma coisa.
Se há algo que não se contesta é o infalível, o inesperado, o erro e a morte.
Quantos já não os vimos de perto? 
Minha alegria de rir enfrente ao cemitério faz muita gente ficar incomodada. Mas...Einstein me ajude, disse ele certa vez: Há duas coisas infinitas neste mundo: o universo e a estupidez humana.
Não tenho muita certeza da primeira. 




*Vinícius de Moraes/Toquinho
Tem dias que eu fico pensando na vida
E sinceramente não vejo saída.
Como é, por exemplo, que dá pra entender:
A gente mal nasce, começa a morrer.
Depois da chegada vem sempre a partida,
Porque não há nada sem separação.
Sei lá, sei lá, a vida é uma grande ilusão.
Sei lá, sei lá, só sei que ela está com a razão.
A gente nem sabe que males se apronta.
Fazendo de conta, fingindo esquecer
Que nada renasce antes que se acabe,
E o sol que desponta tem que anoitecer.
De nada adianta ficar-se de fora.
A hora do sim é o descuido do não.
Sei lá, sei lá, só sei que é preciso paixão.
Sei lá, sei lá, a vida tem sempre razão.

mauriceetlangue&tabus, 2010
.


2 comentários:

  1. Não acho estupidez sorrir em cemitérios! Ao contrário, acho um lugar de muita beleza, que provoca introspecção. Costumo dizer que recarrego minhas baterias quando vou ao cemitério.

    Passear por suas quadras, ver os túmulos é uma forma de entrar em contato com nossa história e seus personagens, entender melhor nosso passado.

    Agora, sobre a idéia de cemitérios virarem lugares de passeio, fica a idéia dos ingleses (que deu muito certo, por sinal): transformaram os antigos cemitérios já lotados em praças. Em seus bancos, ao ler livros, visitantes (sejam crianças ou adultos) conjugam um momento de bem-estar e paz em perfeita harmonia com os donos do pedaço!

    Namastê!

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  2. Legal, muito legal mesmo, Clarissa.
    Valeu e nosso texto fora alterado; pela força que o silêncio tem de alterar.
    Indicações de um livro que nunca li, fazem parte agora de um texto que nunca escrevi, sozinho.
    Namaste

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